Publicado em textos autorais

Carta | O abismo não me atrai mais.

Existia um tipo de silêncio ensurdecedor dentro de mim. A empolgação passeava pelas minhas entranhas e eu soube que estava na hora. Reparei que o relógio apontava 5h da madrugada, precisava estar em outro lugar às 9h mas isso não me desanimou.

Cochilei, acordei atrasada e cheguei 15 minutos além do marcado naquela sala de espera onde apenas um senhor que sorriu gentilmente para mim se encontrava. Logo, a porta da sala 10 se abriu.

– Hellen.


Joinville, 05 de julho de 2017.

Caro doutor,

Eu me sinto muito melhor do que na última vez que sentei aqui nesta cadeira. Lembro-me de deixar escapar de mim que eu não sentia mais nada, estava vazia e o senhor me olhou como quem dizer “eu te ajudarei com isso”. Faz um mês e muita coisa mudou, eu já não me sinto assim, eu me sinto mais viva, os sonhos voltaram e isso me emociona profundamente. Eu tentei recusar a minha essência, aquela alma doida que vive no mundo da lua, que sonha alto e que não se preocupa com a queda, aquela que motiva os outros e se sente em paz consigo mesma. Tentei ser outro alguém nesse mundo de máscaras onde o vulnerável é visto como feio – e isso me custou tão caro.

Eu percebi tanta coisa, o quanto aquele bilhete que o senhor deixou para mim fazia sentido, a famigerada “doença de tentar agradar os outros”. Noto cada vez mais que eu estava assim. Sempre pelos outros, vivendo pelos outros, eu praticava a autossabotagem e pensava que um dia o meu psicológico não sentiria o peso das toneladas de silêncios engolidos a força. Mas ele sentiu.

2017 está sendo um ano intenso, eu nunca pensei que sentiria os extremos dos sentimentos ruins. Eu me perdi na minha mente mas agora, neste exato momento, sinto que já consigo ter consciência dela. Hoje eu sinto um frio na barriga que desde o ano passado eu não sentia mais, aquele que diz que novas aventuras estão próximas. Eu amadureci muito, a experiência de ultrapassar a linha da sanidade me ensinou tanta coisa, me fez crescer interiormente. Por fora ainda pareço a mesma – meus cabelos estão sempre bagunçados, eu estou sempre de all star e continuo com o mesmo olhar perdido de sempre. Mas por dentro… eu floresci numa terra quase morta, eu renasci das cinzas.

Dentro de mim existe um caos imenso, um caos bom, um caos de felicidade e euforia. A vida voltou a fazer morada no meu peito e eu voltei a ter ela como melhor amiga. Estamos bem agora, queria que o senhor soubesse. Enfim, logo volto a te escrever! Obrigada por tudo. Até breve, Doutor.

Com amor,

H.

Autor:

Vegetariana, pseudo-fotógrafa e de vez em quando escritora. Apaixonada por chá quentinho e vídeos de cabras de pijama.

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