Publicado em textos autorais

Engenharia de fracassos aplicada à Neurologia

A doce brisa vespertina bagunça meus cachos e a minha mente. Vestígios passados e histórias enterradas se desprendem da minha pele, sorrio quando percebo que meu último ano foi feito de tombos e que hoje sou feita de cicatrizes. Dores mal resolvidas são parte da minha história. As ondas da minha memória batem com força como uma orquestra eufórica, o universo inteiro faz parte do vai e vem marítimo, lembranças continuam a se desprender de mim em direção à uma esquina do meu cérebro chamada lóbulo frontal, onde existe uma pequena porém resistente casa de inseguranças e traumas que construí e que agora tento desconstruir dia após dia.

A varanda dessa construção deixa estampada com orgulho o trauma mais recente: meu coração tão ferido que agora respira com ajuda de aparelhos. Aqui do lado de fora, as plantas que deixei expostas na entrada tentam mostrar que no fim vai ficar tudo bem – precisa ficar. Entrando na casa, é notável uma sala barra cozinha recheada com a minha lista imensa de ex-amigos, e que por sinal não me torna uma pessoa ruim, eles apenas cumpriram a missão deles na minha vida assim como eu cumpri a minha na deles. Está tudo bem não durar para sempre – o para sempre é apenas um número.

No único quarto da casa escondo em gavetas empoeiradas tralhas antigas que prefiro não tocar – livros que recebi com recados honestos porém não duradouros, discos de artistas que não escuto mais e pijamas. Sim, pijamas, porém estes não me servem mais, e assim como as memórias, guardo na tentativa de eternizar esses pequenos amontoados de átomos.

Por último, temos o banheiro. Não amigável, no fundo há uma banheira antiga porém majestosa. Não a uso pois a água sempre fica poluída com a minha mania de insuficiência: corpo, personalidade, trabalho – nada está bom. Aqui deixo histórias de oportunidades que perdi e que não me orgulho, estão todas escondidas dos olhos alheios e curiosos.

Tijolo por tijolo tento quebrar e me desfazer dessa obra mal projetada por uma pseudo-engenheira fracassada. A matemática insana tomou conta dos hemisférios do meu cérebro, e calculando bem, seria positivo contratar alguém para demolir esse lugar, talvez vender, construir um templo ou qualquer coisa que simplesmente ocupasse esse espaço sem ser algo ruim.

Talvez outro parasita de QI elevado se aloje por aqui para sugar energias que não são minhas.

Ou talvez eu abrace de vez meus machucados e os beije com a certeza de que isso ainda irá me levar além. 

Autor:

Vegetariana, pseudo-fotógrafa e de vez em quando escritora. Apaixonada por chá quentinho e vídeos de cabras de pijama.

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